IMPUNIDADE MATA, OMISSÃO ENTERRA. DIGA NÃO À IMPUNIDADE
É o nome da campanha que pretende alterar artigos da legislação, com o intuito de diminuir a impunidade, e assim a criminalidade. Em 1994, Glória Perez encabeçou o primeiro movimento popular para a alteração da Lei Penal. Naquela oportunidade, modificou-se a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90), passando o homicídio qualificado a ser também considerado crime hediondo (nas palavras de Glória Perez, “o homicida passou a ter o mesmo tratamento que alguém q mata um pássaro”).
Hoje, os pais da menina Gabriela, morta no metrô em março passado, unem-se a outras famílias que sofrem também com a violência e, com o auxílio do ex-Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro José Muiños Piñeiro Filho, lançam esta campanha que, divulgada em todo o Brasil, pretende reunir, no menor espaço de tempo, mais de um milhão de assinaturas de apoio (abaixo-assinado) para apresentação de um projeto de lei à Câmara dos Deputados. Esse novo projeto se vale, assim como em 1994, do mecanismo legal permitido pela nossa Constituição em seu
art. 61, § 2o, qual seja, a iniciativa popular.
O objetivo maior é resgatar a credibilidade da população nas instituições envolvidas diretamente na questão da segurança pública e na realização da justiça e contribuir para o combate à impunidade. Ressalta-se que a sociedade não está reivindicando aumento de penas, mas sim o cumprimento efetivo das mesmas.
O projeto de lei, apresentado ontem à imprensa, prevê a mudança de artigos do Código Penal (Decreto-lei 2848/40), do Código de Processo Penal (Decreto-lei 3689/41), da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90) e da Lei de Tortura (Lei 9455/97). Basicamente, são cinco as alterações que se pretende promover:
- acabar com a tese do crime continuado para crimes hediondos;
- dificultar a obtenção de benefícios legais que permitem aos criminosos cumprir, na maioria das vezes, apenas um sexto das suas respectivas penas;
- exigir que o condenado em primeira instância pela prática de crime hediondo ou pelo tráfico de entorpecentes seja preso imediatamente, não podendo recorrer da condenação em liberdade;
- dar aos torturadores o mesmo tratamento legal para os traficantes e autores de crimes hediondos;
- acabar com o protesto por novo júri (Hoje, se um réu é condenado a 20 anos ou mais de reclusão, tem direito a novo julgamento – art. 607, CPP. Na prática, isso faz com que os juízes apliquem sanções inferiores a 20 anos em crimes contra a vida, embora a condenação máxima seja de 30 anos. Como exemplo, o assassinato de Daniela Perez se deu em dezembro de 92, e o julgamento só veio a ocorrer em janeiro de 97, ou seja, 4 anos depois. Os réus foram condenados a 19 anos, para se evitar uma nova espera de 4 anos ou mais por outro julgamento... Vale dizer também q tais réus estiveram presos por apenas 6 anos, mas porque se entendia que, fora da cadeira, eles corriam risco de vida. Hoje estão livres e de ficha limpa.).
Se alguém tiver interesse, posso explicar melhor os outros pontos também. Tenho o projeto de lei aqui, e todos os artigos das leis citadas q pretendem ser modificados. Sei q este post já está longo demais, mas vocês terão o feriado todo pra ler :-)
Na semana que vem devemos começar a recolher as assinaturas, conto com a ajuda de vocês; é importante que todos entendam as razões do projeto, para que então abracem essa campanha e ajudem a divulgá-la. Qualquer dúvida, por favor me pergunte. As alterações de lei são
para todos; nosso Código Penal já é um senhor de mais de 60 anos de idade, obviamente muito mais pontos precisam ser repensados e modificados, entretanto este é apenas um começo. Esse movimento
não acaba com esse projeto, muito há ainda que ser melhorado. Em 1994, Glória Perez conseguiu reunir 1,5 milhão de assinaturas em 3 meses. Hoje, com apoio da mídia, com o engajamento da sociedade e com a facilidade de comunicação via internet, esperamos conseguir o dobro disso em poucas semanas.
A pena hoje, no Brasil, é uma hipocrisia, uma fantasia. Um dos algozes no caso Gabriela já havia sido preso e condenado; o policial que deu uma menina de 16 anos para “os leões comerem”, alguns anos depois, seqüestrou um rapaz, a quem fez cavar a própria cova, matando-o com 3 tiros em seguida, apesar de já ter recebido o dinheiro do resgate. Há casos e mais casos como esses: dos criminosos que, beneficiados por brechas da nossa legislação penal, voltam a delinqüir. Vidas e mais vidas são tiradas todos os dias por pessoas que deveriam estar presas.
O projeto foi ontem apresentado à imprensa, mas o lançamento oficial da campanha será feito na próxima semana, num novo encontro, que pretende reunir ainda mais familiares de vítimas e pessoas que se solidarizam com a iniciativa (havendo interesse, aviso a quem desejar participar). Ontem, reuniram-se representantes de pelo menos 60 vítimas da violência, e não só do Rio de Janeiro, havia também representantes de Recife e Campinas. Aliás, não somente “representantes de vítimas”, mas também algumas vítimas, umas paraplégicas, outras cegas...
Já de manhã, quando eu ia para a uerj, pensar nesse encontro me trazia ainda mais lembranças do meu primo Gabriel. Eu não tenho falado sobre isso aqui no blog, mas não há um dia q eu não pense no meu primo. Tenho tantos primos, q não daria conta de pensar em cada um deles todos os dias; mas estes estão aí, posso visitá-los a qualquer momento, quando eu quiser, ou mesmo receber visitas deles. Mas o Jr, este não volta. Este não vem mais a minha casa trazendo seu sorriso; este não vai mais dizer um “sim” a cada convite para vir a minha casa, como também não diremos mais uma vez q
não, minha tia não veio com ele, aquela boba que só fica em casa, o Júnior q é esperto, não perde uma festa...
Há dois meses e meio seu sorriso e sua fala mansa não me saem da cabeça. 27 anos. Tanto ainda por viver; tudo
lhe tiraram, tudo lhe roubaram. Eu passo com o Bola por um buraco e temo q o pneu estoure. Lembro a última vez em q o pneu estourou: um motoqueiro bateu na traseira do meu carro. Na delegacia, além do meu pai, quem apareceu para ajudar foi o Júnior. Alguém falou em Glamourama?! Isso tb me lembra meu primo... Não fosse o motoqueiro infeliz, eu teria ido a um show do Glamourama naquele dia.
No começo da reunião de ontem, algumas pessoas se apresentaram e contaram resumidamente sua história, para que a imprensa tivesse melhor idéia da dimensão do que representa a campanha para quem estava ali presente. Muita gente eu já conhecia do outro encontro, ocorrido há umas semanas atrás. Ontem eu estava especialmente frágil, e me debulhei em lágrimas ouvindo aquelas histórias, mesmo as que eu já conhecia. É MUITO TRISTE. Você consegue imaginar a dor de uma mãe que há
treze anos perdeu sua filha, mas há dez anos sabe que nunca vai encontrá-la, porque soube q ela foi entregue aos leões, e, através dessa denúncia, foi ao sítio do policial que matou sua filha, e viu com seus próprios olhos os leões que comeram sua filha? E nunca conseguirá enterrar sua filha? E que muito não pode fazer, porque, pela lei, “sem corpo não há crime”?! Essa mulher não se omitiu, não se escondeu, e vem lutando durante todos esses anos para, ao menos, evitar que outras pessoas sejam vitimadas. Infelizmente, nossa lei é falha e permitiu que o mesmo policial matasse aquele menino seqüestrado do qual também já falei...
Queremos, com essa campanha, permitir que as sentenças se façam valer, sejam sérias, e não tornadas uma brincadeira, como vem acontecendo. “Quer a sociedade que todo aquele que afrontá-la e que, após regular e devido processo legal venha a ser condenado, efetivamente cumpra a sanção, de modo que tenha plena certeza de que a pena não vale a pena, e a sociedade, por sua vez, não tenha somente a sensação, mas a certeza de que a impunidade não grassou”. O projeto se legitima porque é oriundo daqueles que foram vítimas da violência; a legitimidade vem da própria sociedade e espera-se que o Congresso Nacional se sensibilize e que deputados e senadores aprovem as alterações indicadas.
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Acho q ainda não disse isso aqui no blog, mas a Cleyde, mãe da Gabriela, é
a grande pessoa a que admiro em 2003. Ela é demais! E muito abençoada. E,
Ligia, ela nos alçou à condição de “primas”, adorei! Priminha paulistana, tra la la :-)
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Obrigada a todos que tiverem lido o post inteiro :~